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FIGURAS DE APEGO: Matriz dos Vínculos Afetivos

publicado em 17.12.2018 por anapaula

FIGURAS DE APEGO: Matriz dos Vínculos Afetivos.
(publicado na Revista de Gestalt nº 9)

Myrian Bove Fernandes; Claudia Ranaldi Nogueira; Eviene Abduch Lázaros; Sandra Regina Cardoso Zinker e Tereza Cristina Pedroso Ajzenberg.

 

Sumário

Salientamos neste trabalho a importância das primeiras relações de apego que a criança estabelece com sua mãe, com os membros da sua família ou da sua comunidade que lhe trazem segurança, conforto e carinho, para a formação da sua personalidade e para o seu desenvolvimento como ser social.
Apresentamos a Teoria de “Apego” elaborada por Bowlby, procurando estabelecer uma compreensão dos comportamentos de apego exibidos pela criança, às luzes dos postulados teóricos da Gestalt – Terapia.

 

Summary

We point pout in this paper the importance of the first attachment relations the child establishes with it’s parents, family, members or a significant person in the community, to build it’s own personality and to develop as a social being.
We present here the theory of attachment, by Bowlby, establishing a comprehension of the attachment behavior in the light oh theoretical postulates of Gestalt Therapy.

Neste artigo procuramos apresentar a teoria do Apego, elaborada por Bowlby articulada à compreensão e linguagem da Gestalt Terapia.  Fazemos um passeio entre as duas teorias, questionando, organizando percepções e conceitos, ampliando enfim o nosso  pensamento.

As refletirmos sobre o desenvolvimento humano temos em mente a interdependência entre vários fatores como a herança genética, crescimento físico, maturação do sistema nervoso, interação social e trocas com o meio. Neste trabalho estaremos focalizando a importância dos laços afetivos como um fator de primordial relevância dentre as várias facetas do desenvolvimento psicológico.

A Gestalt Terapia concebe o contato como fator primordial e propulsor do crescimento nos seres vivos. Convidamos você, leitor, a visualizar o contato como uma dança de trocas entre figura e fundo, indivíduo e contexto, onde acontecem processos circulares nos quais constantemente múltiplos fatores vão interferindo ns nos outros e entre si, de modo a irem construindo, desconstruindo; compondo, decompondo e recompondo; configurando, desfigurando e reconfigurando… E assim entretecendo o processo da vida e a realidade que a cada momento se transforma.

Bee (1995) afirma que o processo do desenvolvimento na criança é muito gradual e afetada pela quantidade e qualidade das experiências que ela tem em determinado domínio. Pensamos que aos poucos as crianças vão fazendo ajustamentos criativos e construindo novas estratégias para lidarem com diferentes situações.

Em alguns artigos anteriores, afirmamos que “o desenvolvimento se dá através de processos circulares sucessivos de ajustamentos criativos que só podem ser compreendidos, portanto, sob o enfoque relacional”. (Fernandes; Ajzenberg; Cardoso; Lázaros e Nogueira; 1997). Acreditamos que logo após o nascimento, mãe e bebê vão interagindo de modo a compor uma coreografia aonde “os comportamentos de um vão moldando e, ao mesmo tempo, sendo moldados pelos comportamentos do outro”. (Carvalho, 1993). Na medida em que o bebê vai crescendo e desenvolvendo a percepção e a capacidade de diferenciação, as figuras, sobretudo da mãe, mais também das pessoas que o atendem em suas necessidades básicas vão se tornando mais nítidas e estas interações carregadas de afeto passam a ser cada vez mais organizadas e dotadas de sentido.

Montoro (1994, p. 49) ao discorrer sobre a Teoria de Apego elaborada por Bowlby salienta que “há um campo de interação mãe / filho com configuração própria”. Destas interações surgem os primeiros vínculos e a criança se apega a determinadas figuras. Podemos dizer que o pego na criança está intimamente ligado ao seu desenvolvimento cognitivo e motor e surge da interação sócio-afetiva da criança com estas figuras. É importante notar que a autora define o comportamento de apego como “toda a forma de comportamento que tem como meta a obtenção ou manutenção da proximidade com outra pessoa específica e preferida, mais apta a lidar como mundo, chamada  figura de apego”. (Idem, p. 45). Esta busca de proximidade se torna evidente nos momentos em que a criança se vê em apuros, em uma situação de insegurança, ou quando se percebe fragilizada. Por exemplo: Lívia (1 ano e 2 meses) brinca tranqüilamente com seus brinquedos. De repente, ao ouvir um barulho muito alto de objetos caindo a sua volta, sai correndo à procura da mãe e quando a encontra se aquieta ao ser abraçada por esta. A mesma criança, que costuma ter um comportamento independente, quando está doente ou com mal estar, busca a mãe ou a babá, evidenciando o desejo de estar agarrada ao colo nesta ocasião.

Pensamos que este comportamento de apego acontece quando emerge um desequilíbrio qualquer na criança seja este proveniente de fatores internos ou de um estímulo provocado pela situação exterior. O encontro com a figura de apego promove nova reorganização e a criança pode então continuar seu caminho.

Em seu primeiro livro “Cuidados Maternos e Saúde Mental” (1953) Bowlby relata os resultados de alguns estudos psicológicos feitos em crianças pequenas que foram separadas de suas mães, por motivos de segurança, durante os bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Chama a atenção para o fato de que estas crianças tiveram mais prejuízos emocionais do que aquelas que tiveram a experiência de presenciarem os bombardeios, estando ao lado de suas mães.

Seu interesse pela temático apego / separação levou-o a publicar em 1969 a trilogia “Apego, Separação e Perda” onde se baseou em estudos sobre etologia para elaborar sua teoria. Nestes estudos relata as observações do comportamento de diferentes raças de símios. Em todas elas, com maior ou menor intensidade, havia o comportamento de apego solicitado tanto pelas mães que colocavam os filhotes para brincar diante de seus olhos, quanto pelos mesmos que procuravam pelas mães, enquanto brincavam. Quando os filhotes já evidenciavam terem desenvolvido recursos e autonomia para lidarem com diferentes situações, mães e filhotes afastavam-se.

Relata que “a proporção de ciclo vital durante a qual se manifesta o comportamento de apego varia muito de espécie para espécie. Em regra, prossegue até a puberdade sexual. Para muitas espécies de aves, a fase em que cessa o comportamento de apego é a mesma para ambos os sexos, ou seja, quando os jovens estão prontos para acasalar… Para muitas espécies de mamíferos, por outro lado, existe uma diferença acentuada entre os sexos. Nas fêmeas das espécies unguladas (carneiros, cervos, bois), o apego à mãe pode continuar até uma idade adulta avançada manadas de cervos, vê-se a jovem fêmea que segue a mãe, que segue a avó, que segue a bisavó, e assim por diante. Em contrapartida, os jovens machos destas espécies afastam-se da mãe, quando atingem a adolescência. Daí em diante, apegam-se a machos mais velhos e com eles permanecem toda a vida, exceto durante as poucas semana, em cada ano, da época do cio”. (Bowlby, op. Cit., p. 197).

O autor afirma que com os humanos não é muito diferente: tanto as mães quanto as crianças desenvolvem comportamentos de apego. A eleição é determinada, em grande parte, pela sensibilidade do adulto em responder ao bebê, seja através da rapidez de respostas às iniciativas do adulto em brincar ou se relacionar com a criança e das interações sociais que ocorrem entre ambos. Montoro (1994 p. 47) enfatiza “o prazer mútuo que os dois experimentam no relacionamento”. Toda esta descrição do comportamento da mãe caracteriza o que chamamos em Gestalt Terapia de um ciclo de contato bem desenvolvido que se completa.

Podemos dizer que comportamentos de apego e separação são polaridades em um mesmo campo. Desde a fase neonatal, a criança vive momentos em que percebe a aproximação e separação de figuras que o confortam e atendem suas necessidades. Estes movimentos já são experimentados pelos bebês e seu início de vida. Entretanto só gradualmente ele vai desenvolvendo a percepção, passando a distinguir e reconhecer a figura da mãe (ou quem mais freqüentemente cuida dele) demonstrando nítida preferência por esta figura. Aos poucos, à medida que aumentam a complexidade do quotidiano e os recursos que a criança tem para lidar com uma variedade cada vez mais abrangente de pessoas e situações, ela demonstra preferências nítidas em sua procura de aproximação das pessoas com quem convive, estabelecendo, até mesmo, um certo padrão. Se ela se machuca, por exemplo, procura a mãe; se esta não está, procura o pai; a avó; a cozinheira da casa, a tia, etc. Segue, em eventualidades semelhantes, sempre a mesma ordem de preferências. Ela estabelece, portanto, uma hierarquia clara de figuras de preferência às quais recorre em momentos em que busca a segurança. Esta hierarquia está sempre ligada à qualidade do afeto que desenvolve com cada uma destas pessoas. Interferimos, portanto, que a criança desenvolve a capacidade de classificar e ordenar fundamentada não só na sua habilidade de discriminar e diferenciar, com também na qualidade das relações afetivas que estabelece no contato com as figuras de apego; o que por sua vez ajuda a criança a apurar suas funções de contato… E assim por diante. A medida em que a criança cresce, alimenta suas possibilidades de interagir e se comunicar: desenvolve a linguagem falada além da expressão corporal. Passa a transitar livremente pelo ambiente que lhe é familiar, desenvolvendo uma atividade específica com cada pessoa em particular. Por exemplo: Beatriz escolhe sempre estar com sua tia para determinadas brincadeiras, mas, na ausência da mãe, quer sempre a avó quando está com sono, pedindo para ir dormir. Perls, Hefferlline e Goodman, (1950, cp. IV) falam em dominância de figuras. Definem dominâncias espontâneas como “… estimativas do que é importante na ocasião. Não são avaliações adequadas, mas a evidência básica de um tipo de hierarquia de necessidades numa situação atual”. (p. 84). Neste caso, além de se estabelecer uma hierarquia das necessidades, há nítida avaliação hierárquica das possibilidades para a obtenção de satisfação da mesma, completando, assim, o contato.

Entendemos que a qualidade destas relações de apego são as matrizes afetivas que propiciarão mais tarde que as pessoas estabeleçam relações claras, diferenciem a figura do fundo, percebam o indivíduo em seu contexto, enfim, crie condições para estabelecerem processos de auto regulação.

Quando as relações de apego são seguras, a criança cresce tranqüila, aceita limites e vai aos poucos evidenciando suas escolhas. Se estas forem atendidas, na medida do possível, a criança vai se assegurando de que existe permissão para se expandir.

Montoro (1994) descreve que as crianças que demonstram um padrão de apego seguro “exploravam ativamente o ambiente, especialmente com as mães presentes… orientando o comportamento de exploração em relação à mãe, trocando olhares, indo e voltando…  estas crianças recebiam calorosamente suas mães quando voltavam após estarem ausentes, e buscavam intimidade de maneira não ambivalente”. (p. 50). A autora acredita que este padrão de apego está enraizado como “cuidado confiável, especialmente sensível e responsivo à expressão da necessidade da criança. (…) Elas parecem ter expectativas positivas quanto ao comportamento da mãe; usam sua proximidade como base segura, a partir da qual podem explorar o mundo e buscam ativamente a mãe quando estão aflitas, deixando-se confortar por elas”.(idem).

Neste caso, podemos dizer que a mãe e o filho (a) constroem um campo interacional seguro e sintonizado, onde existe espaço para ouvir, olhar, sentir, perceber, relacionar e expressar. Neste campo estão presentes todas as funções de contato. Ao se perceber captada e ouvida pela mãe, a criança sente-se confirmada, adquire confiança tanto na relação quanto na mãe e aos poucos em sim mesma, nas suas habilidades para explorar, produzir, criar, propor brincadeiras e alternativas. É alegra, sua expressão condiz com o seu sentimento, vai crescendo e desenvolvendo seu estilo pessoal.

Embora a busca de segurança caracterize a relação de apego, nem sempre ela transcorre calma e é nutritiva para a criança. Montoro descreve ainda o apego ansioso resistente / ambivalente e o apego ansioso evitador. Bee (1996, p. 324) citando Ainsworth refere-se à criança inseguramente apegada; desorganizada / desorientada.

As crianças que demonstravam padrão de apego ansioso resistente / ambivalente permaneciam “passivas e exploravam pouco o ambiente, chupavam o polegar ou se embalavam, pareciam estar sempre ansiosas sobre o paradeiro da mãe, choravam muito na sua ausência, mas, quando a reencontrava seu comportamento oscilava entre buscar proximidade e rejeitar a mãe resistentes e bravas, num típico quadro de ambivalência”. (Bee, op. Cit., p. 51). Afirma ainda que “estas crianças eram mais vulneráveis a qualquer ameaça, mostravam extrema ansiedade de separação e dificuldade de serem confortadas pela figura de apego; demonstravam petulância e rejeição raivosa às aproximações da mãe”. (idem). A autora afirma que os estudiosos na área acreditam que esta ambivalência por parte das crianças revela um modelo de relacionamento internalizado, baseado em cuidado inconsistente, ou seja, pois disponíveis em algumas ocasiões e em outras, não, onde a expectativa é a de que o outro só será disponível com muita vigilância e que suas resposta serão sempre imprevisíveis.

Montoro acrescenta que as crianças que demonstram um padrão de apego ansioso evitador, ora pareciam muito independentes, ignorando as mães e ora tornavam-se ansiosas, tentando reencontrá-las. Fingiam que não percebiam quando a mãe voltava, recusavam seu contato e / ou não a procuravam. As mães dessas crianças muitas vezes demonstravam ter horror ao contato físico. Algumas destas mães aparentavam frieza e indiferença emocional e outras reagiam com muita raiva e agressividade às demandas do bebê. Em alguns casos mais graves notou-se que submetiam as crianças a vivencia crônica de abandono e rejeição. A autora salienta que neste caso Bowlby considera “que a criança percebe a figura de apego como não disponível e a si mesmo com não merecedor de ser cuidado” (Montoro, op. Cit., p. 52).

Assim, segundo Montoro, as crianças que desenvolvem um padrão de apego seguro têm exigências cabíveis, não exasperam os pais e estes, em resposta, reforçam os sentimentos amorosos dos filhos que, por sua vez, não exasperam os pais e estes, em resposta, reforçam os sentimentos amorosos dos filhos, por sua vez, também lhes retribuem com amor. Entendemos que estas famílias constroem, portanto, padrões de relacionamento onde os ajustamentos criativos fluem com naturalidade, não havendo muitos impedimentos ou paralisações no fluxo do processo de contato. As crianças aprendem a direcionar sua energia para soluções criativas, conseguem se nutrir através das trocas que estabelecem com o ambiente aprendem a tolerar frustrações e desenvolvem um processo de auto regulação saudável. Crescem sentindo prazer em desenvolver suas próprias habilidades, reconhecem que tem poder para interferir nas situações, mas que este poder também é limitado pela figura de apego mais forte e mais apta a lidar com a realidade. Elas aprendem a confiar em si mesmas e nos que a cercam. Acreditamos que estas experiências são à base do amor que posteriormente poderá se converter na valorização da vida.

A representação interna vem com a ampliação da “awareness” cognitiva e reflexiva. Não acreditamos que esta descrição de apego seguro seja semelhante à confluência ou mesmo ao que outras abordagens teóricas nomeiam de simbiose. Pensamos que, desde  o início, a criança vive momentos de união e separação com pessoas que são figuras de apego. Através de inúmeros episódios vividos em que experimenta união com segurança x separação da figura que lhe inspira segurança, vai formando a representação por imagem da “união / separação”. Quando este processo ocorre nos moldes acima descrito, as experiências de estar junto e separado podem vir acompanhadas de sensação de bem-estar. A criança percorre o caminho de um pólo ao outro com fluência e naturalidade.

No padrão de apego ansioso / ambivalente, as crianças vivem controlando o comportamento dos pais, sobrecarregando-os com demandas de atenção contínuas: “Choramingam, reclamam e raramente parecem satisfeitas porque esperam sempre se frustradas; têm baixa tolerância a frustrações e são sujeitas a medos e fobias variadas”. (Montoro, op. Cit., p. 57). Acreditamos que, ao anteciparem a frustração, já existe uma perturbação no pré contato que dificulta a livre fluência no processo de contato. Acontecem bloqueios que prejudicam o livre fluxo da awareness, pois já existe um pré-conceito que impede as funções de contato de cooperarem na situação presente. Ao mobilizarem a energia, empregam-na sempre na mesma direção: as crianças investem em repetir a ação (por exemplo, fazer uma cena de birra o simularem um dor de barriga). O contato pode até acontecer, mas como as respostas dos pais nestes casos são desfavoráveis, a criança não se nutri, não completa satisfatoriamente o ciclo de contato e provavelmente não entra em retração: está sempre vigilante. Estes episódios permanecem como figuras cristalizadas e estão sempre interferindo como gestalten inacabadas nos contato posteriores. Auto regulação não é funcional, pois, na sua interação com a figura de apego, as respostas são sempre inusitadas. Sendo impossível estabelecer uma relação clara de sentido entre o estímulo e a resposta, desenvolve awareness difusa tanto da percepção das suas sensações e sentimentos quanto do que se passa. Pode estabelecer conexões confusas sobre os fatos, criar concepções distorcidas sobre o que experimentou. Este é um bom campo para o desenvolvimento de certas fobias. Como está sempre “pisando em ovos”, não confia na sua ação como capaz de promover a satisfação mais, paradoxalmente, investe em manter o controle, exigindo dela mesma vigilância total, estado de alerta quase permanente para garantir um contato com a figura de apego que é instável, irrisório e que, de falto, a perturba e não satisfaz. (por exemplo, medo de ir para a escola, pois não tem a garantia de que irão buscá-la, evocando a sensação de ansiedade e abandono, uma vez que os colegas já haviam saído e sentiu-se só, quando a mãe se atrasou para ir buscá-la).

Montoro afirma que as crianças que desenvolvem apego ansioso evitador mostram-se distantes e rejeitam muitas vezes as aproximações amorosas dos outros. Aqui também há perturbações por ocasião da antecipação que ocorre no pré-contato. Acreditamos que, neste caso, o bloqueio do fluxo de energia é maio, impedindo que a criança desenvolva o circulo de contato. Pedem pouco ou de forma inconsistente, de modo a não receberem o suficiente, mantendo-se, portando, carente. Não provocam empatia e nem resposta amorosas. As crianças não confiam em sim mesmas como merecedoras da atenção de quem pode satisfazer as suas necessidades básicas e, assim, estimulam muitas vezes a rejeição. Acreditamos que, nestes casos, as crianças recuam suas fronteiras de contato que se tornam herméticas. Não fá muitas possibilidades de trocas afetivas e nutritivas com o ambiente. O fluxo do contato pode seguir várias direções; existem, porém, duas que querermos salientar:

 

  1. As crianças desenvolvem um padrão de exploração solitária do ambiente. Detêm-se em atividades com ver TV, videogame, etc. Estes jogos solicitam muito a atividade intelectual, havendo um empobrecimentos das trocas afetivas. Podem até se interessar por questões intelectuais altamente sofisticadas e talvez este comportamento tenha com meta uma busca de reconhecimento. Usam o afastamento com defesa, pois antecipam a rejeição e não querem ser rejeitadas. Ao manterem este padrão de comportamento, reproduzem a idéia que construíram de si mesmos e agem de forma a provocarem situações que perpetuam as condições de rejeição. A deflexão poderia ser um mecanismo de defesa desenvolvido nestas circunstâncias.

 

  1. As crianças permanecem em um etário primitivo: o afastamento não proporciona a nutrição afetiva que poderia possibilitar o crescimento e a sofisticação dos comportamentos nas relações e no próprio viver. Não desenvolvem awareness reflexiva, seus recursos pessoais são pobres, enfim também vivem na defensiva, encolhendo suas fronteiras e antecipando sempre uma rejeição. Pensamos que quadros de delinqüência podem vir a ser desdobramentos destas condições de apego, uma vez que o comportamento é primitivo, as respostas são impulsivas e não existe valorização dos vínculos afetivos e nem mesmo da vida.

 

Pensamos que no apego inseguro desorganizando / desorientando há comprometimento do fluxo de “awareness”. A criança percebe mensagens talvez contraditórias, fica confusa, sem poder identificar nem configurar sua percepção e não consegue organizar suas respostas de forma consistente. Acreditamos que alguns quadros psicóticos possam estar relacionados a esta formação de apego, como aqueles descritos por Bateson em estudo sobre famílias de pacientes esquizofrênicos.

Convém lembrar que, à medida que a criança cresce, o padrão de apego vai se internalizando e tende a ser imposto a todas as relações.

Montoro afirma que as experiências de apego influenciam no desenvolvimento posterior da sociabilidade nas crianças, pois elas tendem a se comportar dentro de mapas prévios, agindo de maneira a confirmá-los. Salienta as seguintes características com resultantes das influências dos padrões de apego desenvolvidos pelas crianças: capacidade de se comunicar com clareza e adequação, tanto no ouvir quanto no se expressar, capacidade de lutar, ser ativo e persistente, na defesa das próprias necessidades, aprendendo a vencer e a perder; capacidade de perceber as necessidades do outros e respeitá-las, cooperar, agir em grupo, ter lazer e brincar com outras pessoas, capacidade de ter inveja e ciúme de maneira adequada, capacidade de usar agressividade de maneira funcional e não destrutiva.

No apego seguro, a criança desenvolve um modelo representacional seguro, percebendo-se como merecedora de afeto, capaz de conseguir apoio e conforto quando sentir necessidade. Percebe o outro com alguém receptivo e disponível. Usa ajustamentos criativos funcionais, quando busca proximidade e conforto. Por outro lado, a criança que desenvolve m modelo representacional baseada em padrão de apego inseguro, seja este ansioso, ambivalente ou evitador, antecipa a rejeição ou o atendimento insistente, passando a ter auto-imagem marcada por baixa auto-estima, pouco valor e pouca eficiência para conseguir o apoio e a atenção desejada. Usam ajustamentos criativos disfuncionais, apoiando-se em estratégias defensivas, sejam estas tanto de super ativação (no apego ansioso ambivalente) ou de desativação (no apego ansioso evitador) do sistema de apego. Na verdade, gastariam de buscar contato, segurança e conforto.

Consideramos que o indivíduo é ativo na interpretação do mundo. Acreditamos que as primeiras relações afetivas que se desenvolvem no convívio com a família extensa, professores, amigos e, posteriormente com a sociedade. O apego que inicialmente se manifesta na busca de proximidade com os pais pode, na adolescência, derivar para uma busca de pertença no grupo de amigos, de m parceiro no casamento e na formação de uma nova família. Ousamos inferir que o movimento de apego possa ser um dos fatores que, em muitos casos, o levam à busca da espiritualidade. Ao logo da vida, também se desenvolve a polaridade: o movimento de separação que é responsável pela individualização, pelo crescimento se dá através da relação, mas a experiência de trilhar o caminho é solitária. Só poderemos realizar nossa humanidade, se conseguirmos entrar em contato com o outro como seres únicos que somos, com nossas características absolutamente pessoais. Podemos dizer que uma relação de apego segura proporciona que cresçamos nós mesmos com nosso próprio estilo. Assim, neste vai e vem entre busca e separação, desenvolvimento da “Awareness” para o Auto conhecimento e para a abrangência da perspectiva do outro, podemos amadurecer e… Simplesmente VIVER.

 

 

Referências Bibliográficas

 

Bowlby, S. Apego e perda. São Paulo, Martins Fontes, 1990, vol. I (apego)

__________. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo, Martins Fontes   Ed. 3ªed., 1995.

Bee, H. A Criança em desenvolvimento. Porto Alegre, Artes médicas. 1996, 7ª   edição

Carvalho, A. M. A. O desenvolvimento da criança. Psicologia e Pediatria. Pediatria Moderna, vol. XVIII, nº 5, outubro de 1983.

Fernandes, M. B; Ajzenberg, T. C.; Cardoso, S. R.; Lázaros, E. A.; Nogueira, C. R.; Reflexões sobre o desenvolvimento da criança, segundo a perspectiva da Gestalt Terapia. Revista de Gestalt. São Paulo. nº 4. 1995.

Fernandes, M. B; Ajzenberg, T. C.; Cardoso, S. R.; Lázaros, E. A.; Nogueira, C. R.; A gênese da construção da identidade e da expansão de fronteiras na criança. Revista de Gestalt. São Paulo. nº 07 . 1998.

Hoffman, L. Fundamento de la terapia familiar. México. Fondo de Cultura Econômica S.A

Montoro, G. F. Contribuições da teoria do apego à terapia familiar. In: Temas em terapia familiar. Tai Castilho (org.). São Paulo. Plexus, 1994.

Perls, F. S.; Hefferline, R.; Goodman, p.; Gestalt Terapia. São Paulo. Summus, 1998

 

 

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