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Os 50 Anos da Gestalt-terapia (Luiz Lilienthal, Myrian Bove Fernandes e Selma Ciornai)

publicado em 09.05.2017 por anapaula

Os 50 Anos da Gestalt-terapia 
Artigo publicado na Revista “Insight”, Ano XI, número 124, Dezembro de 2001

Luiz Lilienthal 
Myrian Bove Fernandes
Selma Ciornai

1951, ano de lançamento do livro Gestalt Therapy – Excitement and Growth in Human Personality, escrito por Frederick Perls, Paul Goodman e Ralph Hefferline, entrou para a História como o marco do nascimento da Gestalt-terapia, pois foi a primeira vez que o termo foi utilizado. Porém, esta publicação emergiu de um percurso que iniciou-se na efervescência cultural da Alemanha das primeiras décadas do século XX, que, como toda a Europa, vivia várias revoluções: a Soviética, a da Física, as da Arte (Expressionismo, Dadaísmo, Bauhaus etc.) e a da filosofia do conhecimento (especificamente pela Escola Fenomenológica de Husserl). Trilhemos, portanto, os caminhos da história buscando resgatar esta genealogia.

Nascido em Berlim em 1893, de descendência judaica, Fritz Perls, considerado o fundador da Gestalt-terapia, cresceu numa família de classe média, pai comerciante, mãe amante do teatro. Questionador e rebelde, foi expulso da escola em que estudava por problemas de disciplina e transferido para uma escola mais liberal, na qual participou de um grupo de teatro. Cursou medicina em Berlim e, durante a Primeira Guerra, foi para as trincheiras cuidar dos feridos, ocasião em que é despertada a sua atenção para os fenômenos psicossomáticos.

Trabalha após a guerra, ao lado de Kurt Goldstein, com pessoas portadoras de lesões cerebrais – experiência que vai repercutir mais tarde em sua obra, dando-lhe um enfoque organísmico, em contraposição à visão associacionista ainda vigente. Por intermédio de Goldstein, entra em contato com a psicologia da Gestalt, escola que buscava chegar às leis que regem a percepção, por meio do estudo dos fenômenos da percepção sensorial. Seus principais expoentes foram Köhler, Koffka e Wertheimer, que, discípulos de Husserl, aplicaram de forma sistemática a Fenomenologia em seus estudos, desenvolvendo uma teoria inovadora por afirmar que a percepção é sempre subjetiva, isto é, que envolve um processo de organização espontânea e pessoal dos estímulos visuais, em configurações que se diferenciam em figura e fundo.

Em 1926, vai para Frankfurt, onde encontra Lore Posner, estudante de Psicologia, com quem se casa e tem dois filhos. Lore, que foi aluna de Kurt Goldstein e que estudava dança, tornou-se sua parceira na vida intelectual. Perls continua seus estudos em Institutos de Psicanálise de Berlim e Viena, tornando-se cliente de Karen Horney e Wilheim Reich, que desenvolviam, na época, seus estudos sobre a Análise do Caráter. Recebe também a influência de pensadores como Friedlander, de quem apreende conceitos provenientes do pensamento oriental (como os de indiferença criativa, polaridades e pensamento diferencial) que irá utilizar mais tarde ao desenvolver sua teoria. Nesse ambiente de efervescência cultural, entra também em contato com o pensamento existencial de Buber e Tillich.

Com o advento do nazismo, Perls muda-se para a África do Sul, lá fundando um Instituto de Psicanálise. Torna-se um psicanalista conhecido, mas, já sob forte influência da Psicologia da Gestalt e da Fenomenologia, passa a repensar sua prática psicanalítica. Em 1936, vai a um Congresso em Viena apresentar um trabalho sobre “Resistências Orais” – ocasião em que teve seu primeiro e único encontro com Freud, que, pelo fato de não receber bem o seu trabalho, acabou contribuindo para seu rompimento definitivo com a Psicanálise.

Em colaboração com Lore, desenvolveu, ao longo de alguns anos, as idéias que resultaram em seu primeiro livro, Ego, Hunger and Agression, publicado em 1947, no qual já se encontra o embrião dos pressupostos que caracterizariam, mais tarde, a Gestalt-terapia, como a realidade do aqui e agora. Entre esses pressupostos estão: o organismo como totalidade, a unidade organismo/meio, a dominância da necessidade emergente e uma reflexão sobre o conceito de agressão, tomando-a como uma força biológica que auxilia o organismo na assimilação mental e, portanto, no crescimento. Questiona a psicanálise afirmando que esta enfatiza a importância do inconsciente, dos instintos sexuais, do passado, da causalidade, das associações, da transferência e das repressões, mas que subestima e negligencia as funções do Ego e do instinto da fome, que, segundo ele, representa o instinto da sobrevivência e é anterior na constituição da personalidade àquele da reprodução das espécies. Na terceira parte do livro, dá instruções detalhadas, para o desenvolvimento de uma técnica terapêutica (já resultante da mudança de seu enfoque teórico), a Terapia da Concentração, propondo-a em substituição ao método da associação livre. A seu ver, essa técnica poderia favorecer a evitação, sintoma central da neurose. A concentração era apresentada como a polaridade da evitação e já determinava um approach que enfatizava o contato.

Ainda na África do Sul, trava contato com Jan Smuts, formulador do Holismo, e se encanta com essa perspectiva. Em 1946, muda-se para os Estados Unidos em função do crescente movimento do Apartheid na África do Sul e publica esse primeiro livro. Lá, junto com Lore (que, ao chegar, americaniza seu nome para Laura Perls), encontra Paul Goodman, que vem a ser um parceiro ideal para suas idéias e trabalhos.

Nascido em Nova York em 1911, de descendência judaica, Goodman formou-se em Literatura e Filosofia. Dada a sua grande erudição e competência, conseguiu trabalho em afamadas instituições de ensino, mas, no final dos anos 50, época de grande repressão moral, foi demitido por homossexualismo. Isso contribuiu para que se tornasse um árduo crítico de instituições sociais e fervoroso defensor de minorias.

Poeta e escritor, publicou vários livros, sempre por pequenos editores. Em parceria com o irmão, arquiteto, escreveu um livro sobre urbanismo e qualidade de vida, dedicando-se também ao estudo de História, Antropologia, Pedagogia, Economia e Psicologia. Ao conhecer os Perls, dedica-se também à prática psicoterápica. Seu livro Growing Up Absurd (1956), que critica duramente o sistema educacional norte-americano, torna-se muito popular, e Goodman chega a ser considerado o grande ideólogo dos movimentos de contracultura que marcaram os anos 60. Defensor do inconformismo e do não-esmorecimento diante das dificuldades, Goodman propunha o pragmatismo crítico, ou seja, um pragmatismo que incluísse tanto o debate político e a postura crítica quanto os objetivos claros, no intuito da realização eficaz dos ideais propostos.

Dos três autores do livro que marcou o início da Gestalt-terapia, pouca notícia se tem à respeito de Ralph Hefferline, professor universitário cujos alunos participavam dos experimentos de Perls e Goodman. Em 1952, os Perls fundam o Instituto de Gestalt-terapia de Nova York, promovendo cursos na nova abordagem.

A Gestalt-terapia marcava sua entrada no cenário da psicologia trazendo uma abordagem existencial e fenomenológica, inspirada nos novos paradigmas da física moderna e das teorias sistêmica, holística e de campo, isto é, uma perspectiva psico-social que enfatiza o processo, e não a busca de essências, promovendo uma visão contextualizada de ser humano, isto é, como parte integrante e inseparável do sistema indivíduo-meio.

Em consonância com os movimentos de contracultura da época e na linha de frente destes, a Gestalt-terapia enfatizava a importância fundamental da awareness (ou consciência organísmica, isto é, uma consciência que não se limita ao âmbito do racional, mas inclui a dimensão corporal e sensória), a importância da experiência vivida e a ênfase no contato e no diálogo (sob influência do pensamento de Martin Buber). Apoiada na perspectiva existencial, essa corrente defendia a visão de que o ser humano pode ser agente transformador de sua própria vida e do meio em que vive, sublinhando a importância da criatividade como processo humano vital.

A Psicologia da Gestalt, uma das principais influências no pensamento dos Perls, vem a ter uma presença de peso na fundamentação da nova abordagem terapêutica, pois sua conceituação sobre a percepção dos fenômenos sensoriais passa a ser estendida à compreensão dos fenômenos psíquicos. A própria palavra Gestalt (forma, configuração total) passa a nomear a abordagem. Termos como “figura e fundo”, “boa forma”, “pragnância” (a qualidade de atração energética de uma forma), “gestalts incompletas”, “gestalts ocultas”, “configuração” etc. passam a fazer parte do vocabulário da Gestalt-terapia, que, inspirada nesta escola, compreende o processo de formação figura versus fundo dos fenômenos da nossa atenção, como o processo gerador de insights.

Em 1964, após separar-se de Laura, que fica no Instituto de Nova York, Fritz se estabelece em Esalen, Califórnia, deflagrando o grande boom da Gestalt-terapia. De lá, por meio dos famosos workshops, difunde essa abordagem, que se multiplica em cursos de formação por todo o território norte-americano.

No Brasil, a Gestalt-terapia aparece nos anos 70 e, adaptando sua teoria e prática à nossa cultura, vem expandindo-se desde então. Hoje contamos com centros de Gestalt Terapia em várias cidades (mais de 30), trabalhos que refletem a aplicação da abordagem nas mais diversas áreas e publicações de autores brasileiros que vêm sendo cada vez mais apreciados no âmbito internacional.

Aqui, como em outros países, a Gestalt-terapia passou por várias fases, amadurecendo, articulando-se em diferentes tendências e ecoando com as transformações culturais e sociais das décadas que se seguiram. A leitura e a percepção dessas mudanças têm sido tema de vários trabalhos na área e constituiriam, por si só, um outro artigo.

Queremos concluir este texto com o gosto do 7º Encontro Nacional de Gestalt-terapia que se realizou em Outubro em Fortaleza, no qual ficou evidente que ela é uma abordagem que se mantém vibrante, criativa, aberta ao diálogo com as questões da contemporaneidade, e que, sobretudo, se caracteriza por respeitar e apreciar as diferenças, cultivando um contato genuíno e humano entre as pessoas.

Bibliografia básica sobre Gestalt:

BUROW, O-A. & SCHERPP, K. Gestaltpedagogia. Summus Editorial, São Paulo, 1985.

OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: Abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. Summus Editorial, São Paulo, 1998.

PERLS, F. A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985.

POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. Summus Editorial, São Paulo, 2001.

RHYNE, J. Arte e Gestalt. Summus Editorial, São Paulo, 2000.

TELLEGEN, T. Gestalt e Grupos: Uma psicoterapia sistêmica. Summus Editorial, São Paulo, 1984.

TELLEGEN, T. “Atualidades em Gestalt-terapia.” Em Porchat, Ieda (org.). As psicoterapias hoje. Summus Editorial, São Paulo, 1984 (79-98).

YONTEF, G. Processo, Diálogo e Awareness: Ensaios em Gestalt-terapia. Summus Editorial, São Paulo, 1998.

ZINKER, J. El proceso creativo em la terapia gestalt. Paidós, Buenos Aires, 1977.

ZINKER, J. A busca da elegância em psicoterapia: Gestalt-terapia com casais e sistemas íntimos. Summus Editorial, São Paulo, 2001.

Desde 2001 desenvolvendo o saber em Gestalt-Terapia