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Gestalt-terapia Hoje: Resgate e Expansão (Selma Ciornai)

publicado em 09.05.2017 por anapaula

Gestalt-terapia Hoje: Resgate e Expansão 
Trabalho apresentado no IV Seminário de Gestalt-terapia, de São Paulo, em Dezembro de 1987[1]

Selma Ciornai

I.                  INTRODUÇÃO

Neste trabalho, me proponho a fazer um mapeamento das principais tendências e questões que caracterizam o presente momento da Gestalt Terapia. Este pode ser um mapeamento incompleto, precário, o que vejo hoje como uma avenida, posso reconhecer amanhã como uma ruela, um beco-sem-saída, como uma auto estrada que nos conduz a terrenos desconhecidos, ou, quem sabe, que nos reconduza a territórios abandonados. De qualquer forma, tive vontade de juntar tudo o que tenho lido, associado, inferido, pensado, etc., de um jeito que me faça algum sentido e que ajude a organizar questões. Portanto, mais do que respostas prontas e redondas, meu intuito neste trabalho é colocar questões, compartilhando o que encontrei de respostas e caminhos – (que evidentemente apontam para um posicionamento meu frente a elas), mas também me permitindo dizer “só consegui chegar até aqui, e isso me parece importante, mas daqui para frente fica escuro, nublado, não dá ainda para vislumbrar com clareza o caminho… Sei que há elos que estão faltando, conexões que se fazem necessárias…”. Quero compartilhar  onde cheguei, esperando com isso poder contribuir para um movimento nosso, de busca, encontro, e quem sabe, co-criação de algumas respostas.

            Estamos num momento de resgate e explicitação das bases fundamentais da Gestalt Terapia, e, ao mesmo tempo, num momento de expansão, onde, creio, o importante alerta de Walter Ferreira da Rosa Ribeiro (1) de que neste movimento corremos o perigo de ingerir alimentos estranhos que possam nos provocar sérias “indigestões”, arriscando mesmo descaracterizar nossa abordagem por pertencerem a outros referenciais epistemológicos e filosóficos, deve nos despertar atenta cautela, sem com isto nos congelar. Resgate e expansão é portanto o tema deste trabalho.

II.               RESGATES NECESSÁRIOS

Regate me fez pensar no meu contato inicial com a Gestalt Terapia, no início dos anos 70, logo após deixar o Brasil em 69, como tantos outros de minha geração que aqui participaram ativamente dos movimentos políticos e estudantis da época. Época de rupturas e contestações em todos os níveis, onde, vislumbrando uma “nova era”, acreditávamos que seríamos nós os agentes desta transformação[2].  A Gestalt Terapia estava inserida neste contexto. Na introdução do livro “Gestalt Terapia Explicada” (4), publicado em 1969, Perls escreve explicitamente que “há uma luta entre fascismo e uma revolução em curso, e que nos cabe ajudar às pessoas a se libertarem de suas tiranias internas, a se tornarem mais reais, preparando assim o caminho para profundas mudanças sociais.” Este aspecto social da Gestalt Terapia permeava os trabalhos com que tive contato, e constitui, dadas as devidas diferenças de contexto histórico, um aspecto ideológico que penso ser importante de ser resgatado enquanto preocupação, mesmo que em níveis e formas distintas das que assumiu na época.

            Outro aspecto que acho importante resgatar é o que me parece apropriado chamar de epistemologia da direta experiência sensorial – o entendimento de que conhecimento, informação e sabedoria não são sinônimos, e que o verdadeiro saber tem que ser apreendido organismicamente. Creio que esta ênfase no valor da vivência, da apreensão através dos sentidos, foi uma das características mais marcantes dos movimentos de contracultura dos anos 60. Em psicoterapia veio junto com certo desprezo por elaborações teóricas. O pensar era visto como algo tão viciado que só atrapalhava o fluxo da verdadeira awareness. “Lose your mind to come to your senses” dizia Fritz. Janie Rhyne, arte terapeuta gestáltica que conviveu muito com Fritz na época, acredita que o que ele realmente queria dizer com esta frase era “come to your senses in order to get to your mind[3]. De qualquer forma, acho que hoje em dia a literatura da Gestalt Terapia se caracteriza por um importante resgate do pensar e pela ênfase na importância da teoria para nossas práticas. Esta ênfase tem vindo junto com um reconhecimento crítico de que muitas das vivências que caracterizam os trabalhos gestálticos da época foram por vezes bastante traumáticas, destrutivas e humilhantes, dando margem a comentários do tipo “ficou para contar quem sobreviveu[4]. No entanto corremos o risco de resvalar para o pólo oposto, se não integrarmos a esta nova ênfase, o reconhecimento da importância da vivência, com todas as reformulações, cuidados e cautelas aos quais nos pareça importante atentar, pois, se me lembro com frescor de experiências extremamente dolorosas das quais saí bastante machucada, também me lembro com igual frescor de experiências ricas ternas e poderosas, que me trouxeram “insights” valiosos – e creio que este meu depoimento pessoal, seria corroborado por muitos dos que participaram dos diversos workshops e trabalhos da época.

            Na verdade, o que precisa ser realmente reformulado é o conceito de “vivência”, comumente “mal” entendido como algo que necessariamente implica em atuações de cunho cênico, confrontos dramáticos ou episódios de catarses emotivas. Vivência, compreendida como o envolvimento da totalidade do ser de uma pessoa, pode ser algo tão extremamente suave e sutil como a delicadeza do movimento de uma pluma a um levíssimo sopro de brisa, movimento este pouco ou nada “visível” para eventuais “espectadores”, mas possivelmente muito significante para quem o experiencia. Portanto, ao propor um experimento, descriminar e cuidar do “o que”, do “como” e do “para quem”, podendo prescindir inclusive da estrutura de um experimento ao compartilhar o vivido – já que vivência,  compreendida como o envolvimento da totalidade do ser, i.é., do sensorial, cognitivo, etc., pode ou não estar relacionada a algo mais estruturado, é um caminho que tenho procurado trilhar em minha prática.

III.           QUESTIONAMENTOS ATUAIS

Dos anos 60 até hoje muita coisa mudou, muitos questionamentos surgiram, tanto da prática como da reflexão sobre a prática. Tentei resumi-los em seis questões principais.

  1. A primeira diz respeito à necessidade de uma explicitação mais clara dos pilares teóricos que nos sustentam, isto é, de um respaldo mais sólido para nosso trabalho terapêutico. Lacunas têm sido apontadas, mas se estas se devem a falhas reais no nosso arcabouço teórico, a uma falta de atenção à leitura da literatura existente, ou ambos, é uma questão pendente.
  2. A segunda, diretamente ligada à primeira, diz respeito à crescente necessidade de um pensamento diagnóstico que nos ajude a ampliar nossa compreensão dos clientes que se nos apresentam, e que venha de encontro à percepção que tem se evidenciado ultimamente de maneira razoavelmente generalizada, de que as pessoas são mais frágeis do que aparentam – ou, do que se percebia antes.
  3. A terceira tem a haver com a importância de diferenciar “episódios terapêuticos” – que caracterizaram a maior parte dos trabalhos gestálticos dos anos 60, cujo formato era preponderantemente o de workshops curtos e intensivos, de “processos terapêuticos”, caracterizados por freqüência e continuidade de sessões individuais ou grupais ao longo de períodos mais extensos de tempo. Nestes, fatores temporais, observações que se modificam os se reenforçam ao longo do tempo, padrões repetitivos, seqüências, fases, no relacionamento terapeuta-cliente, são importantes de serem notados e incluídos nos processos de awareness. Neste sentido, contrapondo-se a uma compreensão distorcida dos conceitos de awareness e de here-and-now (o aqui-e-agora) da literatura clássica da Gestalt, que acabaram popularizados de forma caricatural em um fazer terapêutico centrado exclusivamente no instante presente (tipo, “não me interessa sua estória, mas sim, o que seu dedo mindinho está fazendo neste momento? Dê uma voz ao seu dedo mindinho…etc.) Gary Yontef (5) tem enfatizado em seus escritos que awareness é sempre here-and-now, mas que o objeto da awareness pode ser algo específico de outro espaço, esclarecendo que quando a awareness tem a excitação de estar em contato com o que é importante no momento para a pessoa, mesmo que seja algo de sua história, isto significa que a pessoa está centrada no presente. Nesta mesma linha, Erving Polster escreveu um trabalho intitulado “Aprisionados no Presente” (6) e um livro, “A Vida De Cada Um Vale Uma Novela”(7), cujos títulos, por si só, já são bastante eloqüentes.
  4. A quarta questão diz respeito ao fato de que, apesar da Gestalt Terapia defender uma visão sistêmica de que se está sempre lidando com todas as partes de um conjunto (já que o todo é maior do que a soma das partes etc), o trabalho terapêutico em grupo, tal como o conheci nos Estados Unidos, era em sua grande maioria, do tipo “hot seat”, i.e., centrado no trabalho com uma pessoa dento do grupo, sem trabalhar as dinâmicas do grupo. Dependendo do terapeuta, muitas vezes verdadeiras “filas” se constituíam para trabalhar, e se você era o nº 7 e se mobilizou demais com o trabalho da primeira ou da segunda pessoa a trabalhar, “too bad”. Apesar das eventuais exceções e possíveis omissões[5] creio que como impressão geral esta opinião se justifica. O livro “Beyond the Hot Seat” (9) publicado em 1980, em termos de abordagem grupal constituiu um marco na bibliografia gestáltica dos EUA, onde apenas recentemente começou a ser mais desenvolvida. Sinto que no grupo de São Paulo (que em termos de Brasil é o que mais conheço),esta preocupação sempre esteve presente, e ao aqui chegar em 1984, esta diferença de enfoque, de pensar em termos de processos grupais, emergentes grupais, etc., me impactou bastante[6] (o que se deve provavelmente ao background em trabalhos variados com grupos, assim como treinamento prévio em psicodrama, que os iniciadores do movimento de Gestalt Terapia tinham aqui em São Paulo, antes mesmo de com ela se encantarem, e, pensando em termos sociais mais amplos, às próprias características do contexto brasileiro em que se encontravam inseridos).
  5. Uma outra questão que tem sido calorosamente discutida é da avaliação da atuação do terapeuta. Muito se tem escrito ultimamente sobre narcisismo e sobre a freqüente atuação narcísica do terapeuta, que faz com que a relação terapêutica fique mais centrada no seu desempenho – muitas vezes visto como mágico e resultando na produção de eventos verdadeiramente feéricos, do que propriamente com o que esta acontecendo com o cliente, ou na relação entre cliente e terapeuta. A serviço do que e de quem determinados processos se desenvolvem tanto em episódios terapêuticos como em relações terapêuticas mais longas é uma questão que tem estado bastante em pauta[7]. Gary Yontef (15) levanta, por exemplo, o possível paradoxo que existe em por um lado o terapeuta estimular a autonomia do cliente e sua autoregulação organísmica, estimulando-o a fazer suas próprias escolhas e ser responsável por si próprio, e por outro, tomar a si a responsabilidade de propor e dirigir experimentos que rompam bloqueios, provoquem catarses e gerem insights – o que pode levar o cliente a uma relação de dependência. (O que exemplifica o que Gregory Bateson denominou de “double bind”, mensagens contraditórias, por exemplo, no nível do dito e do feito).
  6. Finalmente, uma questão que apesar de não estar na crista dos debates atuais, tem chamado a minha atenção, é que lendo algumas retrospectivas sobre as influências e as raízes históricas da Gestalt Terapia[8], percebi que diferiam até bastante significativamente, dependendo da época, onde, e por quem foram escritas. Jerry Kogan, por exemplo, ao escrever uma retrospectiva das raízes históricas da Gestalt Terapia no início dos anos 70 (selecionada para constar no famoso “tijolo” “The Handbook of Gestalt Therapy”, que contem 32 trabalhos escolhidos” para fornecer aos leitores uma idéia consistente do corpo prático e teórico da abordagem”), não menciona Buber e nem explicitamente a palavra fenomenologia, apesar de citar a Psicologia da Gestalt, Laura Perls e outras fontes onde se encontram implícitas. Já as influencias da psicanálise, do Zen Budismo, do Judaísmo, do Holismo de Smuts e da filosofia de Friedlander são muito enfatizados. Comparando-se este trabalho como o trabalho de Petzold, por exemplo, as diferenças chegam a ser drásticas. Acho importante, portanto, não perder de vista a mão que sublinha e quando sublinha, i.e., do que é importante para esta mão no momento.

IV.            TENDÊNCIAS E DISSIDÊNCIAS

No que tange à questão de natureza da relação terapêutica, junto à necessidade de um pensamento diagnóstico, a possibilidade de integrar compreensões provenientes das Teorias das Relações Objetais, versus um estudo mais aprofundado e posterior desdobramento da literatura da própria Gestalt Terapia, ou versus uma busca de elaborações de um pensamento diagnóstico numa linha exclusivamente fenomenológica, junto à possível identificação da Relação Dialógica Buberiana como o modelo que mais deva descrever a relação terapeuta-cliente em Gestalt Terapia, tem caracterizado tendências e dissidências atuais entre gestalt terapeutas. Um exemplo é a celeuma entre Tobin(20) e Gary(21) se o Self deve ser concebido como uma estrutura, como um núcleo ou como um processo, onde está inserida a questão de:se a Gestalt Terapia é uma abordagem “processual”, como integrar compreensões “estruturais” derivadas de modelos essencialistas?[9]

Examinando as argumentações contidas nos trabalhos de autores que representam estas tendências, me parece que elas nos conduzem em última estância a um problema de caráter epistêmico sobre como compreender o que se configura na relação terapêutica, e a um problema basicamente filosófico centrado na questão de determinismo e da oposição entre essência e existência.

Quero considerar estas questões por caminhos um tanto insólitos, mas que talvez possam indicar alguma luz. Não sou filosofa, portanto o que vou fazer é um puro devaneio através de dois caminhos reflexivos que apontam para algumas coisas que me parecem importantes no sentido de contribuir para uma possível transcendência destas polêmicas.

O primeiro é através da teoria dos sistemas e da física moderna, que permeiam as principais mudanças de paradigmas de pensamentos que caracterizam este fim de século; o segundo, através de uma reflexão epistemológica.

V.               CAMINHOS DE EXPANSÃO EM GESTALT-TERAPIA

V.1. Contribuições da teoria dos Sistemas e da Física Moderna

             A segunda lei da termodinâmica diz que a tendência geral dos eventos da natureza é para um estado de máxima desordem e indiferenciação, com a chamada morte térmica do universo  como resultado final. Von Bertallanfy, fundador da Teoria Geral dos Sistemas (22) (23), (aliás, contemporâneo de Perls – sua primeira apresentação sobre a teoria dos sistemas foi em 1945), diz que estes princípios precisam ser totalmente reformulados quando aplicados aos seres vivos, sublinhando a diferença que existe entre sistemas fechados, onde existe troca com o meio, e em termos de modelo cibernético tudo se passa dentro do sistema – não existe outputs nem inputs (a teoria do Big Bang por ex., de que o universo teve uma explosão interna é um modelo de pensar em termos de sistema fechado), e sistemas abertos, que em termos de modelo cibernético funcionam concomitantemente através de feedbacks negativos (cuja função é manter a homeostase do sistema, manter o status quo, e, portanto corrigir quaisquer desvios), e de feedbacks positivos (cuja função é modificar o sistema, transformá-lo, ampliar desvios). Portanto, diz ele, quando se considera sistemas vivos, a tendência entrópica da qual fala a 2ª lei da termodinâmica muda bastante, pois têm tanto movimentos entrópicos quanto negentrópicos (i.e., de entropia negativa – que são movimentos do sistema em direção a níveis cada vez maiores de organização, heterogeneidade e complexidade). Neste sentido sistemas vivos tem um potencial intrínseco de crescimento, criatividade e auto transcendência. Isto me parece bastante importante frente à questão que me propus discutir, pois se os sistemas vivos, e me refiro aqui especificamente a pessoas, tem constantemente movimentos entrópicos e negentrópicos, a polarização conceitual entre essência e processo passa a não ser tão útil, porque na verdade, eu ouso dizer,  nos sistemas vivos toda essência esta em processo assim como todo processo tem uma essência , pelo menos, do ponto de vista da teoria dos sistemas. Sugiro com isto que esta oposição entre modelos essencialistas e processuais de compreensão do ser humano constitui em si um modelo dicotômico que não se aplica à compreensão de sistemas vivos tal como o ser humano, e que necessita, portanto ser transcendido.

            Outro conceito que me parece importante trazer relativo à questão essência x processo, da qual decorrem discussões sobre a propriedade de conceber núcleos na compreensão do funcionamento psíquico do indivíduo, já que é próprio à abordagem gestáltica pensar em termos de fronteira de contato, é o conceito de holografia, de modelo holográfico.  Imaginem um lago onde jogo três pedrinhas. Cada uma delas vai fazer ondas concêntricas, que vão se entrecruzar provocando uma rede de interferências. Se congelo a superfície deste lago, tenho um registro desta rede de interferências. Isto é holografia. Filmagem holográfica vai ser a filmagem deste processo de interferências. Ao passar uma luz através de qualquer parte deste registro, a imagem das três pedrinhas se reproduz. Isto significa que cada parte do sistema contém a informação necessária para fazer uma cópia exata do sistema total. Isto é um modelo sistêmico, e implica em que, se cada parte do sistema contém todas as informações do todo, então esta divisão entre âmago e totalidade, entre núcleo e fronteira torna-se irrelevante.

            Já em relação à questão do determinismo, que implica na questão da causalidade, o princípio da indeterminação de Heisemberg nos diz que nos sistemas sub-atômicos, por exemplo, dada uma determinada interferência no sistema, tudo o que se pode prever são possibilidades, não se pode prever ao certo qual vai ser o comportamento de um átomo –  se vai continuar partícula, se vai virar energia, se vai se fundir com os outros, se vai continuar sozinho. O conceito de causalidade tradicional advindo da física Newtoniana muda então drasticamente. Nesta, se eu empurro um objeto, ele vai se deslocar de acordo com a força e a direção do meu empurrão e de acordo com seu peso, dentro das condições ambientais x,y,z. Conhecidas as variáveis, posso saber exatamente o que acontecerá com um elemento quando uma força determinada o atingir. Na física quântica, quanto mais procuro precisar a variação de uma variável, mais as outras me escapam; frente a um determinado evento, nada posso prever a não ser probabilidades.

V.2. Considerações Epistemológicas

            Outro tipo de reflexão que eu gostaria de trazer é uma reflexão epistêmica, i.e., de como se dá nosso conhecimento na relação terapêutica. Imaginemos, por exemplo, que quero conhecer uma cidade que me é desconhecida. Nenhum relato sobre esta cidade, nenhuma descrição de outrem, nenhum filme, substitui minha vivência imediata e direta de estar nesta cidade, esse encontro único, que, como diz Buber, se dá entre nossas singularidades. Por outro lado, mapas podem me ser úteis. Se quero conhecer mais a rede rodoviária de uma cidade, um mapa rodoviário pode me ser bem providencial; se estou interessada em conhecer mais as zonas históricas, um mapa com estas indicações pode me ajudar. O problema com o mapa é que se chego numa cidade com um mapa e procuro descobri-la através dele, perco a riqueza deste descobrir e do que posso descobrir, pois ao procurar identificar e reconhecer na cidade os pontos aos quais o mapa se refere, não me permito deixar-me impactar livremente pelo vivido, que inibo e restrinjo de acordo com o referencial que o mapa me impõe. Se chego, por exemplo, em uma cidade da África com mapas que tenho (minhas mapografias internas), posso ver um pedaço de árvore no chão e me dizer “tem um tronco no meio do chão”, mas somente minha vivência nesta cidade e minha abertura para o desconhecido, podem me dar à informação de que este tronco, na verdade, é um totem.

            Seguindo esta metáfora, imaginemos, no entanto que vou a Nova York pela primeira vez. Eu posso antes de partir, ter noções do que gostaria de conhecer lá (a zona econômica, a zona boemia, os museus, etc.), e de que tipo de mapas podem me ajudar a localizá-los, mesmo que chegando lá meu interesse possa dirigir-se inesperadamente a outras áreas e facetas da cidade que eu sequer supunha existir. Se vou à Bengala, já é um pouco diferente, mas mesmo assim Bengala ainda é uma cidade, e eu tenho alguns pressupostos sobre cidades e que tipo de organizações devem ter, portanto, pressuponho que tenha uma zona comercial, zonas residenciais, etc. e neste sentido um mapa da cidade também pode me ajudar. Mas, e se for uma cidade em Marte? Neste caso, meus pressupostos teóricos sobre cidades já não me valerão mais e meus mapas serão conseqüentemente inúteis[10].

            Mas o cliente que nos procura não é um marciano. Se ele fala em sofrimento, tenho experiência do que seja sofrimento, se ele fala em angústia, tenho experiência do que seja angustia. Na realidade, o fato de que todos os seres humanos apesar de serem únicos têm em comum a identidade humana, me dá possibilidade de “levar alguns mapas na bagagem” que possam eventualmente me ajudar.

Penso então na possibilidade de um movimento contínuo e dialógico entre dois movimentos: o primeiro, o do vivido, do contato direto, livre e espontâneo, do chegar frente ao cliente ou à situação com a mente aberta, com o que em sociologia se chama “begginers mind” – que é a procura de apreensão da realidade, na medida do possível, desembuído de a prioris, sem mapas, sem pré-conceitos (porém, sem almejar uma apreensão “neutra” e “objetiva”, pois se por um lado sei que nem meus olhos nem meus ouvidos serão jamais absolutamente “ingênuos”, por outro, sabendo-me parte desta realidade sei que posso apreendê-la através do que nela experiencio), e, um segundo momento, onde posso refletir sobre este vivido, podendo lançar mão e escolher entre os mapas que eu tenha, aqueles que possam ajudar a compreender melhor as coisas que  despertaram a minha curiosidade no vivido. Neste sentido, o conhecimento de alguns modelos teóricos amplia meu poder de observação, pois as categorias do percebido depreendem tanto que é dado a um sujeito observar, do que lhe é importante observar, como de que ele sabe observar.

            Eu diria então, que é a atitude com que me relaciono com  mapas que caracterizará uma postura fenomenológico-existencial, o que inclui o saber que mapa, é só um mapa, não é o território[11], que mapas podem ser úteis ou não, que existem outros, etc.

V.3.   A Relação Dialógica Buberiana[12]

            Uma outra vertente bastante atual é a ênfase no modelo dialógico Buberiano como aquele que deve caracterizar a relação terapeuta-cliente em Gestalt Terapia. Creio importante ressaltar, que o termo “relação dialógica” é um termo relativamente recente na literatura gestáltica, apesar de que, a Gestalt terapia sempre privilegiou o indivíduo “em relação” (e não o individuo isolado) através dos conceitos de contato, fronteiras e distúrbios de contato, e inclusive através da própria definição de self como a “fronteira de contato em ação” (25). Da mesma forma a Gestalt Terapia sempre enfatizou a presença plena e genuína do terapeuta, sendo comum encontrar na literatura gestáltica, freqüentemente conjugados os termos, “Aqui e Agora” e “Eu e Tu”. Porém tenho a impressão de que foi somente a partir dos anos 80 que Buber passou a ser considerado literatura básica, e o termo “relação dialógica” passou a ser explicitado, elaborado e articulado como tal, dentro do referencial teórico gestáltico.

            Quero delinear rapidamente este conceito para poder levantar algumas questões quanto ao seu uso como modelo de relação terapêutica. Gary Yontef (26) descreve relação dialógica como o encontro de duas pessoas onde uma se deixa impactar e responder à totalidade da outra, e onde o interesse de ambas é no que acontece entre elas e não em uma ou na outra. Considera que existem cinco condições para o estabelecimento de uma relação dialógica. A primeira seria inclusão, que implica num comprometimento existencial mais profundo do que comumente é compreendido como empatia, de realmente penetrar na fenomenologia da existência do outro sem com isto perder seu próprio referencial (tal como a história hassídica que diz que para ajudar uma pessoa a sair da lama não basta só dar-lhe  a mão e puxá-la,  é preciso entrar com ela na lama, para dando-lhe lá a mão, poder tirar a si próprio e a ela de lá).[13] Neste sentido, inclusão implica também em confirmação e aceitação da existência do outro tal qual ele é.

            A segunda seria presença, a presença envolvida e ativa da pessoa na relação em sua autencidade. A terceira seria o comprometimento com o diálogo, i.e., a abertura e rendição ao entre que acontece entre duas pessoas e que não pode ser previsto ou comandado por uma delas sem que se perca sua característica de diálogo. A quarta seria sua característica vivencial, e a quinta sua qualidade de não exploração, i.e., a não utilização do outro para gratificações narcísicas ou de quaisquer outras necessidades enquanto movimento manipulatório.

            Feito este rápido resumo, me deparo com as seguintes perguntas: As pessoas vêm à terapia, justamente pelo sofrimento decorrente do caráter inadequado do seu diálogo consigo e com os outros, e freqüentemente, têm dificuldade de realmente ver o outro em sua alteridade[14]. Kohut, por exemplo, usa os termos “self-other” para descrever o outro que não é visto em sua alteridade como um ser diferenciado de mim, mas como alguém que de certa maneira uso como uma extensão de mim, para fazer parte do meu self, de acordo com o que nele eu deposite de fantasias, desejos ou idealizações. Neste caso, seria possível e cabível esperar que o cliente possa satisfazer às cinco condições acima descritas? Essa mutualidade é possível? E que conseqüências podem advir quanto o terapeuta compartilha indiscriminadamente a “totalidade do seu ser” ou “certos aspectos de si” quando o cliente está num processo de idealizá-lo, de sentir-se por ele perseguido, enfim, usando uma terminologia psicanalítica, quando está muito mais envolvido em processos transferências do que com o outro real em toda sua alteridade (que na sua concepção mais pura seria uma relação sem transferências)?

            Creio serem estas questões fundamentais ao considerarmos o modelo dialógico Buberiano como aquele que deva ou não caracterizar a relação terapêutica em Gestalt Terapia. No entanto, percebo diferenças na compreensão deste modelo que podem contribuir para respostas a estas questões.

Hycner (28) entende que a relação Eu-Tu é somente um dos momentos da relação dialógica, que, na realidade, enquanto processo, compreende uma “alternância rítmica entre momentos de relações Eu-Tu e momentos de relações Eu-Isso”, e que seria justamente nos momentos de Eu-Isso, que o terapeuta poderia refletir sobre a relação com o cliente e os processos que nela se desenvolvem. Já Gary Yontef (26) não concorda com isto. Escreve que a relação Eu-Tu, este “encontro”, é um evento relacional que pode ou não se dar quando duas pessoas se encontram com a “atitude” de Eu-Tu, mas que a relação Eu-Isso não faz parte da relação dialógica propriamente dita, a não se como preâmbulo para a relação Eu-Tu, já que pressupõe um relacionamento vertical.

Friedman, em seu livro “A Cura Pelo Diálogo”(29), coloca a necessária unilateralidade da inclusão na relação terapêutica, considerando que, ao contrário de uma relação de amor ou amizade o cliente não pode experienciar a relação do lado do terapeuta sem com isso alterar a relação que por definição é uma relação que tem por objetivo ser centrada no cliente. No entanto, segundo ele, isto não implica em que o terapeuta estabeleça uma relação Eu-Isso com o cliente. Existe um sentido de parceria em um empreendimento comum, porém, onde ambos estão em posições diferentes[15].

Concordando com Friedman, creio ser importante ressaltar a diferenciação que Yontef faz entre relação dialógica, que é o que se dá entre duas pessoas (por exemplo, quanto o sentido de parceria em um empreendimento comum a que Friedman se refere é compartilhado e vivido pelas duas pessoas), de atitude dialógica, que é a predisposição com que uma pessoa vem ao encontro da outra (por exemplo, quanto Friedman escreve que “o fato de ser a relação terapêutica por definição uma relação centrada no cliente não implica que o terapeuta estabeleça uma relação Eu-Isso com o cliente já que…”, é evidente que a ênfase e a própria sintaxe da frase apontam para um movimento do terapeuta, que, se não for concretizada na relação no sentido de realmente ser compartilhado pelas duas pessoas envolvidas, não caracterizará o entre por elas vividos).

Apoiando-me então na visão de alternância rítmica entre os momentos de relação Eu-Tu e momento de relação Eu-Isso descritas por Hycner, seria possível pensar que enquanto processo a relação dialógica deixa de acontecer quando esta alternância se interrompe, e pensando em termos do que ele domina “rítmica”, poderíamos dizer que é exatamente a qualidade deste ritmo, isto é, a proporção e freqüência de momentos de relação Eu-Tu  vis-a-vis  momentos de relação Eu- Isso, e do tipo de interação que vai se estabelecendo entre eles, que caracterizará a qualidade do diálogo que eventualmente se estabeleça. É importante frisar que isso se dá na dinâmica da relação, o que inclui a possibilidade de que uma pessoa já venha para a relação com a predisposição de se fixar em um dos pólos desta alternância, e nele se fixe ou não, enquanto a outra pode ter um movimento contrário ou similar. Assim embutido no pensar de que uma pessoa venha para uma relação com uma predisposição que se configurará ou  transformará na relação, está inserida a questão que levantei antes da dicotomia existente entre essência e processo em termos de paradigmas de pensamento, exemplificando justamente o que poder ser um pensar em termos de uma “essência em processo” sem determinismo causal.

Penso então que talvez seja correto dizer que é a atitude do terapeuta de predisposição ao diálogo (o que sem duvida estabelece um convite ao outro), que deva orientar e caracterizar a abordagem gestáltica no que tange à relação terapêutica, o que, enquanto atitude, implica nas cinco condições descritas por Yontef.

Uma contribuição importante para o pensamento diagnóstico a partir deste modelo, é a sugestão de Hycner de se refletir sobre o que falta em uma relação potencialmente dialógica para que esta possa realmente sê-la, o que isto me diz sobre o cliente, que paradigmas de relação interpessoal aprendeu, como sua existência foi confirmada ou não pelos outros, como posso enquanto outro me apresentar para facilitar um diálogo genuíno com esta pessoa, etc.

V.4.  Teorias De Relação Objetais: Um Caminho De Expansão Possível?

Ao abordar este último tema, quero frisar que não me sinto ainda competente em termos de conhecer com profundidade as teorias das relações objetais as quais me refiro, para pode discutir com segurança e precisão tanto toda a estrutura e conteúdo de seus arcabouços teóricos, como todas as implicações que vê-las como possível caminho de expansão para a Gestalt Terapia possam acarretar. No entanto, como coloquei na introdução deste trabalho, estou me permitindo dizer “só consegui chegar até aqui, e isto me parece importante, daqui para frente o caminho não é tão claro…,” acreditando que colocar questões, e compartilhar o que até aqui delas pude elaborar, é mais importante ás vezes do que afirmar respostas[16].

 A primeira questão em pauta é evidente a compreensão do termo “objeto” a que tais teorias se referem. De acordo com o Laplanche e Pontalis (31), o termo “objeto” origina-se na concepção Freudiana da pulsão, e é encarado em psicanálise sob três aspectos principais, que cito a seguir literalmente como por eles formulado:

1) Enquanto correlativo da pulsão, como aquilo em que e por que esta procura atingir seu alvo, i.e., um certo tipo de satisfação. Pode tratar-se de uma pessoa,de objeto parcial, de um objeto real ou fantasmático.

2) Enquanto correlativo do amor (ou do ódio), a relação em causa é então a de pessoa total (ou da instancia do ego), com um objeto visado também como totalidade (pessoa, entidade, ideal, etc,) … (o grifo em “totalidade” e “total” é meu)[17].

3) no sentido tradicional da filosofia e da psicologia do conhecimento, enquanto correlativo do sujeito que percebe e conhece” (pg. 406).

E advertem:

               “ A noção do objeto em psicanálise não deve evocar a noção de “coisa”, de objeto inanimado e manipulável tal como esta se contrapõe vulgarmente às noções de ser animado ou pessoa… Nos escritos psicanalíticos… objeto é tomado num sentido comparável ao que lhe conferia a linguagem clássica (objeto de minha paixão, do meu ressentimento, objeto amado, etc).” (pg. 406).

            A partir dessas definições, que apontam tanto para a complexidade do conceito como para a necessidade de não reduzi-lo a apenas um de seus sentidos, “me parece”, que quando os teóricos das relações objetais destacam o conceito de objeto interno, no sentido de tudo o que envolve a internalização da experiência reais ou fantasiosas que eu tenha tido com este objeto – e que no caso de uma pessoa, pode envolver tudo o que se refere ao contato dialógico que com ela eu possa ter tido, mais minhas fantasias projeções expectativas, etc. sobre ela – que este uso do termo “objeto” corresponde mais ao segundo sentido do termo dado por Laplanche e Pontalis. Penso então que talvez não seja incompatível relacioná-lo com a noção do “outro” em Gestalt, considerando tudo o que envolve a “digestão” interna que o individuo faz de suas memórias e experiências prévias com este e outros “outros”, e como podem vir a dar suporte ou não, impedir ou facilitar, contatos realmente novos, frescos e vivificantes[18].

            Fairbarn (33)[19] um dos principais teóricos das teorias das relações objetais, questiona a teoria da libido Freudiana, afirmando que “procuramos pessoas, não prazeres”, e que esta deve ser a consideração básica sobre o ser humano, e que neste sentido, o “alvo” da libido é a relação objetal, deslocando portanto a ênfase do instinto para a ênfase na relação. Esta ênfase na relação aproxima os teóricos das relações objetais da Gestalt, e é certamente uma das razões do interesse que têm desperto.

            Existem vários teóricos de relações objetais constituindo uma linha da chamada neopsicanálise, que em linhas gerais, pensam como o individuo se desenvolve a partir das relações que estabelece com seus objetos internos, elaborando tipologias de traços e estruturas de caráter que vão se formando (padrões de relacionamento objetal). Acho importante ressaltar que este tipo de pensamento não me parece ter implicações deterministas tipo aconteceu “X” na infância, o caráter será “Y”, justamente por o conceito de internalização envolver não uma realidade objetiva, mas as leituras singulares que cada individuo faz de seus contatos com os outros significantes de sua vida, mais suas fantasias sobre eles, e mais as formas também não previsíveis (a não ser no nível de probabilidade) de como processa tudo isto internamente, como organiza, etc.

            Apesar do termo “relação objetal” se encontrar nos escritos de Freud e Melanie Klein, os autores que me foram apresentados com mais importantes e representativos desta vertente da neopsicanálise são[20]: W.R. Fairbarn, D.W. Winnicott, Harry Guntrip, Otto Kernberg, James F. Masterson, Margareth Mahler, Alice Miller e Heinz Kohut (mais conhecido como o autor da Teoria do Self).

            O que me parece precioso nestes modelos, para nós, gestaltistas, são descrições extremamente pormenorizadas de tipos de relações objetais que se criam e se estabelecem (padrões de relacionamento), e de tipos de organizações em que vão se constelando (as tipologias em termos caracterológicos), assim como dos diversos processos através dos quais estas organizações vão se dando, que, a meu ver, ampliam o poder de observação do terapeuta para aspectos às vezes difíceis de perceber. Sinto que estas descrições são preciosas justamente porque se aproximam muito do vivido, mas num, nível mais oculto, menos óbvio. Pessoalmente, minhas experiências ao tomar contato com este material, foi de me sentir “flagrada” em descrições de modos  de ser no mundo que eu nunca tinha percebido, mas que ao ler, neles me reconheci imediatamente, e que, junto com os trabalhos que vivenciei como cliente, terapeuta e supervisora “supervisionada” (no curso com Robert Martin a que me referi), tomou uma dimensão de expansão de awareness e de consciência de mim que até hoje me ilumina. Também com meus clientes o conhecimento destes “mapas” tem me ajudado muito a ver melhor, e a trabalhar de forma mais profunda, no sentido que coloquei no item V.2. deste trabalho, ao falar do movimento continuo e dialógico entre o contato livre de a prioris, o vivido com o cliente, e o eventual uso dos mapas na reflexão sobre este vivido.

Kohut por exemplo (35) (36) (37), diz que a maioria dos cliente que o procuram mostram um quadro de baixa auto estima e um self enfraquecido, devido a processos mal elaborados na infância. Define Self Object como pessoas que a criança experiencia como parte de si, sobre as quais procura ter controle como sobre seu próprio corpo, relacionando três tipos de necessidades que a criança delas tem:

– necessidades de espelhamento, de poder encontrar no outro uma fonte de aceitação, admiração e confirmação de si.

– necessidade de encontrar em um outro idealizado uma fonte de força, calma e infalibilidade com que possa se fusionar.

– necessidade de encontrar no outro um tipo de alter-ego que confirma suas opiniões, valores, sua percepção da realidade, etc.

            Explica que devido a frustrações não traumáticas, o que a criança espera do outro vai lentamente se transmutando e constituindo seu próprio self, mas que, se as frustrações forem traumáticas em uma destas áreas, a pessoa poderá estar ainda a procura de um outro que a espelhe, ou com quem possa fusionar, etc., o que se constituirá em um traço de caráter. E escreve de forma muito poética, exemplificando a qualidade de proximidade com a experiência por nós vivida que mencionei – (razão pela qual o cito desta forma, evidentemente bastante sintética) :

Apesar dos graves trancos a que a grandiosidade da criança é exposta na vida, o sorriso orgulhoso dos pais manterá viva um pouco da onipotência original, a ser conservada como o núcleo de auto-confiança e auto-segurança sobre seu próprio valor que sustenta a pessoa saudável através de sua vida… Apesar de serem grandes nossos desapontamentos ao descobrirmos as fraquezas e limitações dos self-objects idealizados da nossa infância, sua auto-confiança ao nos carregarem quando bebês, sua segurança quando nos permitiram fusionar nossos ansiosos selves com sua tranqüilidade através de suas vozes calmas ou via nossas aproximações com seus corpos relaxados aos nos segurarem, será mantida por nós como o núcleo de força que dirige nossos ideais e da calma que experienciamos ao vivermos nossas vidas guiados por estes ideais internos... (37) (pg. 417).

            Outros teóricos trazem outras tipologias, outras descrições de modos de organização de personalidade e pensamento diagnóstico que não cabe neste trabalho apresentar.

            Concluído, como exatamente fazer a ligação desta abordagem como a Gestalt Terapia, suas possíveis implicações, não sei ainda precisar. Sei que há elos que estão faltando, que necessitam ser explicitados, considerados e avaliados. Creio que a atitude com que um gestalt terapeuta vai se utilizar destes “mapas” é um dado importante ao se considerar a possibilidade de utilização deste material (ou parte dele) à nossa abordagem[21],

assim como as considerações que teci sobre a questão do determinismo e da possibilidade de transcender a dicotomia existente entre “essência e processo”. Mas não sei se são suficientes[22] [23].

            Foi-me importante no entanto, trazer aqui, questões que estão presentes para mim, organizá-las num quadro geral, e sobre elas refletir – mesmo que todas as gavetinhas não estejam ainda tão bem arrumadas (e nem venham a estar – como saber?), pois, antes ou durante qualquer processo de transformação, criação ou reestruturação, não é necessário poder tolerar a angustia das coisas não tão bem organizadas, a angustia de um pouco de anarquia, permitir o espaço angustiante, mas também excitante, do não saber?

VI.            POST SCRIPTUM (Ou, “Aqui e Agora”…)

Ao entregar hoje a versão final deste manuscrito, me encontro em certa medida dele já distanciada… gestação 87, reaquecida em 89, subitamente esfriada… Talvez porque já fechado, de seu fechamento se abrem novas portas, a excitação que o aqueceu agora se encontra arrefecida apesar de saber ter curtido escrevê-lo… O entrego com incertezas… Vale ainda a pena? Ainda me é significativo? Dele me sinto longe, e me pergunto então, onde estou?

            Sei que me encontro no momento totalmente tomada e maravilhada com o universo que recém descubro em Clarice Lispector. Leio cada um de seus livros, uma a um, degustando cada trecho, relendo sem pressa certas frases com deleite, encantamento e descoberta. Nas descrições tão sutis e delicadas da intimidade, dos sentimentos, medos, desejos e conflitos de seus personagens, encontro ecos, espelhamentos, um trilhar por linhas e palavras que enquanto caminhos me levam dos fundos mais abismais de mim, com seus rios subterrâneos, suas fragilidades, seus medos, brilhos e encantos, para os encontros com os outros, as coisas, o mundo.

            E me dou conta que tem muito a ver com o que escrevi sobre a necessidade de aprender a melhor observar, sentir e compreender, modos, padrões, jeitos do funcionamento e existir humano. Taí… imensamente, profundamente, mas de outra forma, não “organizada” linearmente,mas por isto mesmo mais rica e desarmada. Volta a sensação de me sentir fragilizada em experiências não nomeadas mas imediatamente reconhecidas, de encontrar ecos, confortantes enquanto presença intensa de e com um outro através de seus escritos que por sua vez geram movimentos meus… De novo resgates e expansões, já não divididos em tópicos distintos, mas entremeados um com o outro, um gerando o outro, em cada resgate uma nova expansão, em cada expansão de mim um novo resgate… Abro aleatoriamente um de seus vários livros com os quais recentemente me circundei. Justo do primeiro livro que dela li, onde me encantei, e o que mais gosto, leio:

Naquela hora da noite conhecia esse grande susto de estar viva, tendo como único amparo apenas o desamparo de estar viva. A vida era tão forte que se amparava no próprio desamparo. De estar viva, sentiu ela – teria de agora em diante que fazer o seu motivo e tema. Com curiosidade meiga, envolvida pelo cheiro de jasmim, atenta à fome de existir, e atenta à própria atenção, parecia estar comendo delicadamente viva o que era muito seu. A fome de viver, meu Deus. Até que ponto ela ia na miséria da necessidade: trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade enquanto estava viva.  Até que teve fome mesmo… (40)

*     *     * 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

I)

01. RIBEIRO, Walter Ferreira da Rosa, Alcances e Limites da Gestalt Terapia, Trabalho apresentado no 1º Encontro de Gestalt-Terapeutas. Rio de Janeiro, 1987.

II)

02. Ventura, Zuenir Carlos, 1968 –  O Ano que não terminou, Editora Nova Fronteira AS. RJ, 1968.

03. COHEN- BENDIT,Dany, Nós que amávamos tanto a revolução, 20 anos depois, Editora Brasiliense, SP, 1987.

04. PERLS, Frederick S., Gestalt Therapy Verbatim, Real People Press. Lafayeth, CA 1969.

III)

05. YONTEF, Gary M., Especialmente e, Clinical Phenomenology, The Gestalt Journal. Vol. II, 1, 1979, mas também em outros textos como Gestalt Therapy: A Dialogic Method (referência nº. 26 desta bibliografia) e Gestalt Therapy 1986: A Polemic (referência nº 15).

06. POLSTER, Erving, Imprisoned in the Present, The Gestalt Journal, Vol. VIII, 1,1985.

07. POLSTER, Erving, Every Person’s Life Worth a Novel, W.W. Norton & Co., NY., 1987.

08. ZINKER, Joseph, Creative Process in Gestalt Therapy, Brunner/Mazel, NY., 1977.

09. FEDER, Bud & RONALL, Ruth Editors, Beyond The Hot Seat – Gestalt Approaches to Group, Brunner/ Mazel, NY, 1980.

10. TELLEGEN, Therese A., Gestalt e Grupos, Uma Perspectiva Sistêmica, Summus Ed. Ltda, 1984.

11. FRAZÃO, Lílian M., O Modelo de Aprendizagem Experencial Aplicado ao Ensino de Terapia de Grupo, tese de Mestrado, Universidade de São Paulo, 1983.

12. GUEDES, Abel M., Grupos, II Seminário de Gestalt de SP, 1986.

13. TSALLIS, M. Cristina F., Sobre o Homem: Constelações e Dúvidas, IV Seminário de Gestalt de SP, 1987.

14. TSALLIS, M. Cristina F., O que fazemos – Mesa Redonda, II Congresso Nacional de Gestalt Terapia, Caxambu, 1989.

15. Yontef, Gary M., Gestalt Therapy 1986: A Polemic, The Gestalt Journal, Vol.X, 1, 1987.

16. KOGAN, Jerry, The Genesis of Gestalt Therapy, em The Handbook of Gestalt Therapy, Chris Hatcher & Philip Himelstein Editors, Jason Aronson Inc. NY., 1976

17.  PERLS, Frederick S., In and Out the Garbage Pail, Real People Press, Utah, 1969.

18. SIMKIN, James S. & YONTEF, Gary M., Gestalt therapy em Current Psychotherapies, R. Corsini (ED.) Peacock Publishers, 1984 (history: pg. 284-286).

19.  PETZOLD, Dr. H., Tendências e Desenvolvimento da Gestalt Terapia na Europa, Boletim da Associação Holandesa de Gestalt Terapia – Gestalt Terapia: Um Psicoterapia Controvertida?   Informes sobre o congresso Quinzenal realizado em 1984 em Ultrech” (tradução de Luiz Fernando Ferreira da Rosa Ribeiro, para circulação interna).

IV)

20. TOBIN, Stephan A., Self-Disorders, Gestalt Therapy and Self Psychology, The Gestalt Journal, Vol. V, 2, 1982.

21. YONTEF, Gary m., The Self in Gestalt Therapy: Reply to Tobin,   The Gestalt Journal, Vol. VI, 1, 1983.

V)

22. VON BERTALANFFY, L., Vários trabalhos da coleção “General   Systems”, publicada por The Society for General Systems Research, Washington DC, desde 1956 – entre outros, “General Systems Theory”, Gen. Syst. 1:1, 1956  e “General System Theory – A Critical Review”, Gen. Syst. 7:1. 1962.

23. VON BERTALANFFY, L., A Systems View of Man. Boulder Co., Westview Press, 1981.

24. JACOBS, Lynne, “Dialogue in Gestalt Theory and Therapy”, The Gestalt Journal, Vol XII, n.1, 1989.

25. PERLS, Frederick, HEFFERLINE, Halph e GOODMAN, Paul, Gestalt Therapy, Excitement and Growth in Human Personality, Nova York, Dell Publ. co., 1951

26. YONTEF, Gary M., “Gestalt Therapy: A Dialogic Method” – publicada em alemão em : K. Schneider (Ed.): “Gestalt Therapic und Neurose, Munchen”, Pfeiffer Verlag, 1981b.

27. JULIANO, Jean Clark, “A Arte de Restaurar o diálogo liberando estórias – uma visão do processo psicoterápico” – II Congresso Nacional de Gestalt Terapia, Caxambu, 1989.

28. HYCNER, Richard H., “ A caminho de uma psicoterapia Dialógica”, Califórnia School of Professional Psychology, San Diego, 1985.

29.FRIEDMAN, Maurice, “The Healing Dialogue in Psychotherapy”, Jason Aronson Inc., USA, 1985.

30. BRICE, W. Charles, “Pathological Modes of Humana Relating and Therapeutic Mutuality: A Dialogue Between Buber´s Existencial Theory and Object- Relations Theory, Psychiatry, Vol 47, Maio de 1984.

31.LAPLANCHE, J.L & PONTAILS, J.B., “Vocabulário da Psicanálise”, Livraria Martins Fonseca Editora, SP.

32.CIORNAI, Selma, “Em Que Acreditamos – Mesa Redonda”, II Congresso de Gestalt Terapia, Caxambu, 1989.

33. FAIRBARN, W.R., “Psychoanalytic Studies of the Personality” (Amer. Title: An Object Relations Theory of Personality), London, Tavistock, New York, Basic Books, 1952.

34.GUNTRIP, Harry, “Schizoid Phenomena, Object relations and the Self”, International University Press Inc., New York, 1969.

35. KOHUT, Heinz, “The Restoration of the Self”, International University Press Inc. Madison, Connecticut, 1987 (6ª edição).

36. KOHUT, Heinz, “How does Analysis Cure?”. The University of Chicago Press, London, 1984.

37. KOHUT, Heinz & WOLF, E., “The disorders of the Self and their Treatment: An Outline”. International Journal of Psychoanalysis 59, 413-425, 1978.

38. BARROSO, Fátima, “O que caracteriza uma psicoterapia fenomenológica-existencial?”, Mesa Redonda“”Quem Somos Nós? ”, II Congresso Nacional de Gestalt Terapia, Caxambu, 1989.

39. LOFFREDO, Ana Maria, “Da minha posição e da minha (in)disposição como Gestalt terapeuta”, II Congresso Nacional de Gestalt Terapia, Caxambu, 1989.

VI.

40. LISPECTOR, Clarice, “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”,                     Editora Nova Fronteira, RJ, 1969.

 

 


[1] Como este trabalho foi apresentado originalmente em 1987, mas revisto para publicação na Revista de Gestalt  em 1989, apesar do texto se manter igual ao original, algumas referências bibliográficas com as quais tive contato até Julho de 1989 foram posteriormente acrescentadas.

[2] Tem sido comum nos últimos 10, 15 anos, nos referirmos às experiências da geração dos anos 60 de maneira irônica e derrogatória. Neste sentido, o livro “1968 – O ano que não terminou” de Zuenir Ventura (2), reflete com muita sensibilidade, humor e crítica (mas uma crítica sem sarcasmo, com amor), sobre os valores e legados da época. Digno de nota também, o livro de Dany Conh-Benedit “Nós que amávamos tanto a Revolução, 20 anos depois” (3). Nos dois, mais que uma reflexão, um resgate necessário.

[3]  Considerando o quanto Perls escreveu sobre a necessidade de transcender as “falsas” dicotomias “corpo-mente”, “físico-mental”, enfatizando que “concentrar em uma destas polaridades seria preservar neuroses”, penso que talvez dissesse “loose” (relaxar) e não “lose” (perder)… seja como for, a famosa frase ficou transcrita com um só “o”.

[4]   Em um dos cursos que dei no Sedes no ano de 1988, uma aluna expressou seu desagrado frente ao enfraquecimento e às constantes críticas que, em sua percepção, os trabalhos de Perls sofrem atualmente por grande parte dos professores do curso de formação em Gestalt Terapia, o que me fez pensar na necessidade de avaliar seu trabalho dentro do contexto histórico da época a qual me referi. De repente me perguntei :  será que mudei tanto que quando lia as descrições de seis trabalhos a quinze anos atrás, tinha uma compreensão ingênua e deslumbrada e hoje, mais madura,  tenho restrições, ou há outros elementos, pertencentes ao contexto da época ( por exemplo o que as pessoas procuravam enquanto momento de contracultura  – rupturas, mudanças radicais, etc) que são necessários para uma compreensão mais abrangente do seu trabalho?

[5] Joseph Zinker por exemplo, no livro “Processos criativos em terapia gestáltica (8), publicado em 1977, tem um capítulo intitulado “grupos como comunidades criativas” (cap. 7), onde expões um pensar sobre processos grupais, colocando-o como representativo da equipe do Instituto de Gestalt de Cleveland.

[6]  Ver, por exemplo, o livro “Gestalt e grupos” de Therese A. Tellegen (10), a tese de mestrado de Lílian M.       Frasão, “o Modelo de aprendizagem experencial aplicado ao ensino de terapia de grupo”(11), e mais recentemente, o trabalho “Grupos”, apresentado por Abel M. Guedes (12).

[7]  Por exemplo, de forma marcante, nos trabalhos de Maria Cristina Frascaroli Tsallis “sobre o homem: constatações de dúvidas” (13) e “ O que fazemos – mesa redonda” (14).

[8]  De Jerry Kogan “ A gênese da Gestalt Terapia” (16), de Frederick s. Perls “Dentro e fora da lata de lixo” (17), de J. Simkins e G. Yontef “Gestalt Therapy”, o item “History” (18), de Therese Tellegen, em “Gestalt e grupos”, o capítulo 2(10), do prof. Petzold, “Tendências e desenvolvimento da Gestalt-terapia na Europa” (19), etc.

[9]  Um outro exemplo bastante recente onde as polêmicas e argumentações quanto à esta questão proliferam, é o exemplar do Gestalt Journal (Vol. XI, n. 2, Fall 1988) que em sua totalidade, discute através de vários autores para tal convidados pelo editor, um artigo de Jonh L. Swanson intitulado “processos de fronteiras e estados de fronteira”.

[10]  Devo a Ana Maria Loffredo a sugestão de considerar uma cidade em Marte como uma realidade onde nenhum mapa pré-estabelecido poderia servir de ajuda a nele me orientar, ao com ela compartilhar e discutir, dias antes da apresentação deste seminário, as idéias que aqui desenvolvo.

[11] Esta formulação deve-se ao semasiólogo A. Korzybsky (“Ciências e sanidade”, 1933), tornando-se posteriormente bastante popular ao se assinalar o perigo de reificação de construtos teóricos.

[12] Dias antes de terminar de reescrever este trabalho, recebi o texto “Dialogue in Gestalt Therapy” de Lynn Jacobs (24), publicado no Gestalt Journal do primeiro semestre de 89. O trabalho desenvolve e articula a relação dialógica Buberiana com a teoria e Prática da Gestalt Terapia de forma brilhante, esclarecendo e apontando diferenças entre momentos EU-TU e relação dialógica, além de estabelecer ricos paralelos com outros autores. Fiquei tentada ora a reescrever tudo que escrevi, ora simplesmente referir os leitores à leitura do seu texto, eliminando este item do meu trabalho. Optei por deixar o texto original e adicionar esta nota, sentindo que quanto mais demoro, mais outros textos surgem, e que meu momento é realmente de necessitar encerrá-lo preservando sua inteireza  original.

[13]  No debate que se seguiu à apresentação deste trabalho, foi levantada, por uma dos presentes, a questão do medo de perder-se no universo do outro, da ansiedade que a idéia de inclusão lhe suscitava, ao que  respondi que me parece que o que permite este movimento é justamente o estar muito centrado, pois ao mesmo tempo que se vai, não se sai de si, ou, se este movimento não é exatamente concomitante, é um movimento pendular que vai de um pólo ao outro às vezes em questão de segundos, e que, frente à questão levantada por Yontef quanto à propostas de experimentos que apontei anteriormente (item III, 5ª. Questão) me parece que o que possibilita a inserção de experimentos numa relação terapêutica é justamente a possibilidade de poder pensar, propor, e ao mesmo tempo estar ali, acompanhando junto ao processo.

[14] No trabalho “A Arte de Restaurar o Diálogo, libertando estórias – uma visão do processo psicoterápico” (27) Jean Clark Juliano escreve: “em algum ponto do seu desenvolvimento, o diálogo ficou interrompido, um chamado ficou parado no ar, não atingindo os ouvidos da pessoa a quem era endereçado, instalando uma cegueira quanto à possibilidade de ter um interlocutor;   não consegue ser interlocutor  nem de si mesmo”.

[15] No trabalho que li recentemente intitulado “Pathological Modes of Human Relating and Therapeutic Mutuality: a Dialogue Between Buber´s Existencial Relation Theory and Object-Relations Theory”, Charles W. Brice (30) defende uma posição similar. Para ele, a relação terapêutica não é uma relação entre iguais, mas considera que a inequalidade não impede a mutualidade, pois apesar dos papéis serem essencialmente distintos, a mutualidade existe no sentido do valor que tanto o terapeuta quanto o cliente compartilham enquanto seres humanos. Diferenças, diz ele, provocam imagens de inferioridade, superioridade, etc. apenas de uma perspectiva fundamentalmente neurótica, pois, para uma pessoa “madura”, diferenças estão além do bem e do mal… Brice vê a neurose transferencial como o protótipo da relação Eu-Isso, e conclui dizendo que em uma terapia bem sucedida o monólogo transferencial tenderá a se tornar  diálogo entre dois sujeitos, um diálogo Eu-Tu, que se constitui então em objetivo terapêutico.

[16] A disposição de alguns gestaltistas de considerar estes referenciais como um possível caminho de expansão para a Gestalt Terapia, que compartilho, foi questionada no debate que se seguiu à apresentação deste trabalho, quanto à nossa coerência interna ao nos utilizarmos de terminologia psicanalítica. Reafirmo aqui as considerações que teci então, de que, se por um lado importante atentar para esta coerência resguardando uma atitude criteriosa quanto à incorporação do que é novo, por outro, se ficarmos tão preocupados em não cometer “heresias”, acabaremos tornando a Gestalt Terapia um sistema fechado e cristalizado.

[17]  Sobre a diferença entre estes dois sentidos do termo “objeto”, elaboram mais à frente: “ A noção de objeto em psicanálise não deve apenas entender-se em referencia à pulsão… Somos levados a separar um objeto propriamente pulsional de um objeto de amor. O primeiro define-se essencialmente como susceptível de proporcionar satisfação à pulsão em causa… a acentuação incide então na contingência do objeto enquanto subordinado à satisfação. Quanto à relação com o objeto de amor, esta faz intervir, tal como ódio, em um outro par de termos… os termos amor e ódio não devem ser utilizados para as relações das pulsões com seus objetos, mas reservados para as relações do ego total como seus objetos’. (pg. 409-410)

[18]  Em 1989, no trabalho “Em que acreditamos”, acrescento: “Na realidade o conceito de ‘outro’ internalizado de ‘partes de outro’ ou ‘do ideal de outros’ internalizados não são tão estranhos a Gestalt Terapia. Quando por exemplo, se sugere ao cliente que atue um diálogo com a figura imaginada do pai, evidentemente não é o pai real que está em questão. O que a meu ver estas teorias trazem de importante é uma compreensão mais articulada da função destas imagens internalizadas no desenvolvimento de cada um” (32).

[19]  Estas citações de Fairbarn foram extraídas do livro “Schizoid Phenomena, Object_Relations and the Self” de Harry Guntrip (34) de onde retirei a referencia bibliográfica.

[20]  Refiro-me aqui a bibliografia fornecida e recomendada por Robert Martin, Ph.D. no curso intensivo que com ele fiz sobre “Gestalt Terapia e teoria de Relações Objetais”, em Portland, Oregon (EUA) em julho de 1987.

[21] Fátima Barbosa em “o que caracteriza uma psicoterapia fenomenológico-existencial” (38) faz uma distinção entre modelos compreensivos e explicativos, e quanto ao uso compreensivo ou explicativo que deles se faça, que me parece uma contribuição valiosa para a questão atualmente tão em pauta da possibilidade de utilização parcial de certos modelos teóricos, i.e., da utilização de vários “mapas”.

[22]  Já Ana Maria Loffredo, em “Da minha posição e da minha (in)disposição como Gestalt Terapeuta” (39), levanta algumas questões importantes de serem consideradas a este respeito, ao refletir criticamente sobre o trabalho de Gary Yontef que tem como tema o próprio título: “Assimilando perspectivas diagnósticas e psicanalíticas em Gestalt terapia” pondo “lenha na fogueira” por um outro ângulo :  o da necessidade de uma correta compreensão do referencial psicanalítico em si. Ana não anula a possibilidade de integração destes referenciais, mais critica a forma proposta por Gary.

[23]   Por outro lado, tenho me surpreendido bastante, recentemente, ao conversar com alguns psicanalistas, e ouvir falar do que os está atraindo no momento – que chamam de “nova psicanálise”, e que tem como  grande novidade(!), a ênfase no “aqui e agora”, na importância do diretamente observável e percebido sem interpretações, na figura do terapeuta não mais como uma “tela branca”, mas como uma pessoa presente, e não mais como um detentor do saber, mas como alguém que caminha junto com o cliente na busca de compreensões… Se bem que estas expressões são transcrições literais do que tenho ouvido, não tenho ainda elementos suficientes para avaliar se são empregadas exatamente no sentido que nós gestaltistas as empregamos, mas de qualquer forma, me faz lembrar com um sorriso, do que disse Walter Rosa Ribeiro no encerramento do II Congresso Nacional de Gestalt Terapia (junho de 1989) –“ eles também aprenderam com a gente…

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